Ela rasgou o enorme quadro que dava para a frente da porta principal de acesso ao casarão. Em todas as visitas relâmpagos que fazíamos à casa de vovó, ficava alguns minutos de olho na longa cabeleira que pendia além dos ombros. Uma cascata ondulada e brilhante. Ao lado direito, uma flor entre a orelha dava o fino acabamento aquela figura no frescor da idade. Vovó, você é linda. Minha filha, agora estou velha. Mas é linda.
Em mais uma visita corri como de costume para ver o quadro que sempre me esperava. Mas desta vez ele não estava lá – dei uma olhada ao derredor para ter certeza de que estava no lugar certo. Estava eu sabia. Vovó, vovó, cadê o quadro da senhora? Rasquei. Ela me disse com uma naturalidade de quem estava convicta do que havia feito.
Não perguntei mais nada. Ficou um silêncio profundo entre mim, o corredor e a parede. Sabia que nunca mais deveria fazer aquela pergunta a vovó. Dei voltas pela casa. Parei diante da parede que sustentava um prego enferrujado, envergado e velho. Cumplice do quadro da minha avó. A minha voz saiu em um sussurro profundo e dolorido:
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Recitando Cecília, minha filha! É! Tia, por que vovó rasgou o quadro? Ela sem solenidade respondeu que vovó odiava a velhice. O corredor desta vez ficou estreito. Procurei os olhos doces da imagem da minha avó. Os vi na minha mente, e sai pelas portas dos fundos onde uma enorme cajazeira carregada de cajá-manga pendia sobre a casa. Vovó estava sentada ao pé do troco aguardando a criançada colher os frutos maduros. No silêncio do seu olhar me chamou para perto. Depois, cochichou ao pé do ouvido – “Guardei para você.” A velhice é mesmo linda.