Jayr Peny voltou afiado. Os pincéis não param de produzir olhares e impressões desse momento tão singular na vida do artista: após 26 anos vivendo em Portugal, o potiguar voltou a Natal, desta vez para ficar. Desde que chegou, não para de produzir e na próxima quarta-feira (25), abre sua nova exposição individual “Mergulho Profundo”, na Galeria Iguales, no Tirol, a partir das 18h.
A exposição que marca a retomada do calendário cultural do espaço, após um ano e meio de hiato por causa da pandemia da Covid-19, é composta por dois momentos dessa transição do artista. Jayr trouxe na bagagem algumas das suas obras recentes e outras tantas, a maioria, foram feitas já na sua nova morada.
Ao todo estão expostos 26 trabalhos, ligados pelos tons terrosos e de azul, do cerúleo ao profundo. Eles criam laços e interligam suas principais séries de pintura, entre elas a “Linhas e Formas”, surgida de uma linguagem ora lúdica ora surreal. Influenciado pela linguagem surrealista de Salvador Dalí, Jayr entrelaça suas linhas baseadas também no universo do seu filho, quando criança, ao rabiscar as primeiras garatujas.
As memórias afetivas aparecem também em obras da série “Madonnas”, como a Madonna da Vila, na qual a santa flutua, segurando cabaças, sobre a Vila de Ponta Negra e o seu postal Morro do Careca. Além dos navegos pelo mar do nosso litoral, a Nossa Senhora tem outras paragens, como pelas casas das Rocas e pelo sertão.
Peny trouxe ainda na bagagem uma série de “Cavalos Surreais”. Uma obra dessa linha já foi exposta, inclusive, no Carrousel do Louvre, em Paris. Além da capital francesa, o potiguar já apresentou seu trabalho em mais de 50 exposições solo, notadamente em Portugal, França, Itália e Estados Unidos. Também já levou seu trabalho à China, durante a Exposição de Pintura Lusófona.
Redescobertas
Passados mais de 20 anos, Jayr também retoma um estilo de pintura muito interessante, entre o surreal e o abstracionismo. A partir do método frottage – termo do francês “frotter”, que quer dizer esfregar -, criado pelo pintor Max Ernst. A técnica, tanto para o potiguar como para o artista alemão, surgiu do acaso. Certa vez, ao voltar para sua sala de pintura, Jayr viu que uma toalha ficara presa sobre uma tela com tinta fresca. Ao desgrudar o pano da superfície, revelou-se um rosto naquela “despintura”, como ele chama. “Fiquei fascinado com aquela surpresa e passei a desenvolver minha própria técnica de fricção a partir dali”, contou o artista.
Para o galerista Cristiano Félix, que fez a curadoria da exposição, a ideia de revisitar alguns dos seus trabalhos faz Jayr conectar passado e presente. “É um movimento de regresso, como voltar ao país de origem, o ponto de partida. Apesar de já ter montado outras exposições do Jayr e conhecer bem o trabalho dele na linha do tempo, eu ainda descubro novas nuances. Os trabalhos dele são queridos por muitos colecionadores e eu acredito que essas pessoas também têm mais a desvendar. É por isso que estou animado com esse ‘Mergulho Profundo’, como batizamos a nova exposição.
Entrevista com o artista
Nas últimas quase três décadas você morou fora do país. Por que o desejo de voltar agora?
Existe um ditado que diz “O filho a casa retorna”, e aqui estou eu, finalmente e definitivamente na minha querida “terrinha natal”. Foram anos de amadurecimento, descobertas e crescimento interior que a Europa me proporcionou. Aos 56 anos, tomei a decisão de devolver para a Natal todo esse aprendizado. Tenho certeza de que os natalenses, assim como eu, vão prestigiar e acompanhar nos próximos tempos a continuidade dessa minha evolução artística. Amo a minha cidade e a riqueza do seu povo e da sua cultura. Aqui estou de braços abertos, com tintas e pincéis nas mãos, para dar continuidade ao trabalho.
É certo que, além da linguagem surrealista, o figurativismo mostrado em algumas das suas obras sofreu forte influência também das paisagens de Portugal. Como você trabalha esse intercâmbio entre nações lusófonas, principalmente Brasil e Portugal, nas suas telas?
De fato, sofri bastante influência da cultura Europeia e, principalmente de Portugal, onde vivi. Quando cheguei lá corria o ano de 1995 do século passado, não fazia ideia do quando o meu trabalho iria absorver do modo de ser dos portugueses e da não menos rica, sua cultura. Deixei que ocorresse naturalmente e incorporei vários temas locais como “O Fado”, “As Varinas” e “Os Marnotos”. Considero hoje que essa abertura foi uma mais valia para o meu processo criativo. No meu modo de ver, foi fundamental esse intercâmbio de culturas ao qual podemos chamar de “luso-brasileira”. Digo mesmo que devo a essa mistura a evolução do meu trabalho hoje. Navegar é preciso.
Dentro do universo surrealista, você voltou a desenvolver trabalhos com a técnica frottage. De onde veio esse desejo e o que você quer mostrar?
Os trabalhos da séria “Psicodélica”, nos quais uso vários recursos entre eles o frottage, tiveram um início curioso e eu senti esse desejo de retomar depois que um pano ficou “preso” em cima de uma das minhas telas inacabadas. Quando retirei o trapo de cima, as nervuras imprimiram na superfície da tela um rosto… incrível! Chamei isso, àquela altura de pintura instantânea e de “despintura”, porque em vez de colocar tinta na tela, retira-se camadas de tinta dela. O resultado é sempre uma fatástica-sureal-psicodsélica surpresa. Apresento quatro novos trabalhos dessa série na exposição.
A exposição está sendo montada com série diferentes dos seus trabalhos. Existe uma conexão entre elas?
Existe, sim. Essa série Psicodélica, que acabei de citar, foi iniciada há mais de vinte anos, por exemplo. E eu retomo algumas ideias que foram amadurecendo nos últimos tempos, com força agora para essa exposição. Todas as séries têm um fio condutor, um denominador comum entre elas que é o DNA do meu trabalho, não consigo “fugir” de mim mesmo seja trabalhando em uma série que beira o abstracionismo. A minha assinatura e forma de pintar estarão sempre presentes. Essa é a mágica!
É a sua terceira exposição na Galeria Iguales nos últimos seis anos, mas a próxima é a primeira repleta de trabalhos novos. Como é a relação com o espaço e o que você espera dessa nova empreitada?
As perspectivas são as mais positivas. Aguardem muitas surpresas e suspiros! Essa nova exposição eu diria que é, de longe, a mais completa e a mais representativa da minha arte de todas as que a Galeria Iguales realizou até agora. Ela marca um novo ponto de partida e reafirma essa fecunda relação que temos. O requinte do espaço se encaixa como uma luva com o conjunto dessas novas obras que estou desenvolvendo.
Serviço
Exposição “Mergulho Profundo: Uma imersão de formas e cores ao voltar para casa”
Onde: Galeria Iguales – Av. Hermes da Fonseca, 1062, Tirol.
Quando: De 25 de agosto a 28 de setembro de 2021.
Horários de visitação: Terças e sábados das 10h às 15h e de quarta a sexta das 10h às 22h.* Entrada gratuita