Passeio meus olhos mais uma vez pelo conjunto de cinco fotos enviadas a mim por Simone Galvão. Elas são um microcosmo da representação de um mural estonteante instalado na residência de Militão e Simone. Eu fico por horas organizando um quebra-cabeça com essas imagens, é porque a fotografia, por mais que tente retratar os detalhes das coisas em si, não capta a sutileza de suas essências. Não traduzem na integra as nuances das pinceladas do artista; os pequenos pingos e traços gotejados e arrastados pelo volver do pincel. A profundidade magistralmente trabalhada pela composição febril da pigmentação técnica das cores em Marlene Galvão. Disponho todas em ordem, mas há um hiato entre uma foto e outra. O desejo em estar diante dessa beleza dantesca me impregna os sentidos. E recebo num salto de alegrias o endereço que me foi gentilmente concedido pelo casal, donos, para sempre, deste mural arrebol.

Vou em pequenos passos ligeiros para a varanda do apartamento e, então, o espetáculo dança diante dos meus olhos como um fenômeno óptico composto de brilho e de sombras. Estou suspensa, arrebatada e maravilhada. Cantarolo a música dos meus sonhos noturnos. Estou feliz e agradecida. Profundamente agradecida. Que privilégio!Corro os meus dedos sobre a superfície de uma extensão de quatro metros por dois e noventa. Desejo a memória desde enlevo pelas pontas de todos os sentidos, das piscadelas que os meus olhos clicaram de cada detalhe deste mural – composto de formas geométricas que se equilibram na arquitetura das linhas matemáticas de Marlene Galvão. Na estonteante sensação de estado de sol dos amarelos queimados em um forno a 900 graus. Vou nas linhas horizontais dos azuis  que se estendem e se confundem com o céu sobre nossas cabeças, refletindo e comungando dessa beleza que se inaugura sempre a céu aberto.

Me detenho em uma figura, que para mim representa uma semente, eis a dádiva suprema da arte: de produzir matrizes de significados em desdobramentos de cores e de formas. A semente baobá, ipê, cedro, mogno, jacarandá, jatobá…  A semente que tem raízes profundas de uma artista afeiçoada à disciplina, à arquitetura analítica,à geometria descritiva e à sensibilidade em transformar linhas e cores que nos abraçam na mais refinada linguagem poética. E mais: “certas belezas ideais somente a inteligência desenha.” Dessa mulher artista – Marlene Galvão –  que cita em seus escritos os nomes de seus mestres: Murílo La Greca, Reynaldo Fonseca, Lula Cardoso Ayres! Eu digo:  professores, ela foi além. E, à noite, quando todas as luzes se apagam, lá está ele silencioso e eterno porque foi provado pelo fogo e purificado pelo sopro de Marlene Galvão. 

                                                                            *Por Ana Catarina Silva Fernandes