Onde está o seu coração, está o seu reino. Esta frase define bem o estado em que me encontrava no Palácio da Alvorada, em Brasília, capital do Brasil, no dia 12 de outubro. É que parte de mim – e creio que de todos nós – é “programada” para o senso estético, para o belo. No centro da sala principal,dentre todos os objetos de artes detenho o meu olhar sobre dois grandes quadros dispostos um ao lado do outro, poucos centímetros os separam. Fico entre esse espaço limítrofe, hiático – de me permitir olhar para cada um deles –sem dar privilégio ao da direita ou da esquerda. Fico neste lugar por algum tempo.

A sala ainda está vazia. As crianças convidadas para o evento “Primeira Infância em Ação” com a primeira Dama do Brasil, Michele Bolsonaro, estão a caminho. Enquanto isso, vou e venho, como um zoom, no corredor de centímetros em branco. A moça que está sentada na poltrona massageia o pé machucado por uma sapatilha nova. “Está tudo bem?” Pergunto a ela. E ela me diz sobre a sapatilha “vou trocar por um calçado mais confortável”. Fico aliviada, o dia será longo. Ela me olha um pouco mais e sorri. Como quem pergunta? “O que você tanto olha neste vai e vem?” Eu aponto para os quadros. Ela sorri de novo. Eu digo: “Veja! são de 1954… Portinaris!”. Ela explica que não os havia notado. “Como são as coisas… este homem é famoso e eu nem prestei atenção”. Antes de se levantar, chamou um rapaz que estava junto a nós duas, e que até aquele momento eu não o havia notado. “Amor, veja! São Portinaris.”. Ele olha e sorri. Ouvimos que as crianças chegaram. Nos dispersamos e fomos tomar os nossos lugares, o evento ia começar.

Neste momento, sou pega de surpresa por uma chuva torrencial acompanhada de trovoadas, coisas de Brasília, “chove e daqui a pouco passa”, me diz Adriana Dantas, coordenadora geral de apoio administrativo, da Secretaria Nacional de Atenção à Primeira Infância. Eu acredito nela. “Fique calma, vai passar” afirmei. A chuva trouxe mudanças intempestivas. Molhou parte considerável do cenário para a contação de histórias e antes que eu perguntasse“ e agora? o que será?” a equipe da SNAPI veio ao meu encontro. Fui direcionada para uma sala, preparada no mesmo instante em que a chuva torrencial caia. Adriana também me diz que em virtude da chuva, os pais e alguns convidados irão assistir à contação das histórias. Paraliso. “Como assim? Não eram só as crianças?” pergunto.“Você dá conta. Se está aqui é por que vai dar certo”, respondeu Adriana.

E agora? Volto ao salão principal,para admirar mais uma vez as figuras negras em seus afazeres de ofícios – envoltas pela geometria do traçado cubista de Portinari. No quadro a minha direita, o homem de calça de cor bege, com motivos retangulares, em um tom um pouco mais claro do que o da calça – de blusa branca – sugestivamente suja e igualmente com motivos retangulares – aqui e ali dispostos está de costas com um dos braços elevados – segurando uma machadinha. Não é possível ver a expressão do seu rosto. Mas, todo ele é pura força em movimento, de pinceladas que captaram o trabalho dos seringueiros, de1954, da série Cenas brasileiras. Desejo captar todas as imagens desse quadro, mas paro sempre nesta figura incólume e eterna. Um cinegrafista passa por mim – atento aos movimentos das crianças que se deslocam eufóricas pelo salão nobre. Penso em pedir uma imagem desses dois quadros que retratam Jangadas do Nordeste e Os seringueiros de 1954. Sei que não é possível, mas tento mesmo assim. Ele diz que vai fazer uma fotografia só para eu ver como ficam. Pura generosidade. Depois deleta. Tem gente que é feito paleta de cores de arrebol. Anderson Rodrigues é uma delas.

Posteriormente, a equipe me chama para a hora da contação de histórias. Estou pronta. Vou fazer o meu ofício neste evento. Estou pronta. Minutinhos de contemplação e pronta.Crianças, pais, a Primeira Dama Michele Bolsonaro, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, o Secretário de Alfabetização junto ao MEC, Carlos Nadalim e a Secretária de Atenção à Primeira Infância, Luciana Siqueira Lira de Miranda acompanham as crianças neste momento. Suspiro. Fico em pé diante da plateia. Sou a professora que vai contar a história A SAIA DO AMOR, escrita por mim e ilustrada magistralmente por Roberto Silva. Sou a mediadora que veio partilhar os contos tradicionais do Brasil de Luís da Câmara Cascudo.Sou a contadora de histórias que veio a convite de Luciana Siqueira Lira de Miranda para participar de um momento lúdico, feito especialmente para os pequeninos. Sou a mulher que esteve no Palácio da Alvorada em dia de portas abertas para a infância. Para o presente mais significativos de todos: A CRIANÇA.

Ana Catarina Silva Fernande (escritora e professora)