Nesses tempos de pandemia eu passei a refletir mais sobre o que acontece ao meu redor, passei a ser mais observadora e a olhar principalmente para aquilo que os olhos não veem, mas o coração sente. Aqui em Parnamirim-RN, próximo a minha casa, tem um comercial que já foi assaltado diversas vezes. Por medo de que ocorra mais assaltos, o comerciante está fechando cada dia mais cedo. Também tem uma pracinha, perto daqui de casa, que eu costumava ir.
À noite sempre estava recheado de pessoas conversando, crianças brincando, andando de bicicleta, adolescentes jogando bola e as demais pessoas caminhando. Hoje, nem me recordo a última vez que estive lá. As pessoas à noite? Ouvi dizer que passaram a ir só de dia. A quantidade? Diminuiu bastante. Não foi devido ao Covid, pois antes mesmo que o avassalador vírus chegasse, o pavor gerado pela violência, não só em Parnamirim, como na maioria das cidades do país já havia se instaurado.
No entanto, eu fiz outra análise da situação. Mesmo com os assaltos o comerciante não fechou permanentemente. As pessoas da pracinha, não abandonaram o lugar de vez. Por precaução, passaram a ir só de dia. O que isso significa? Significa que por mais que o medo da violência seja grande, o comerciante continua trabalhando e as pessoas continuam frequentando a praça. Isso quer dizer que perderam o medo? Claro que não. Quer dizer que não permitiram a vitória do medo.
Nos últimos dias, percebi que eu havia me tornado uma pessoa muito medrosa. Medo não é nada bom, é bom ter receio com algumas coisas, porém, medo em excesso é bastante ruim. Foi aí que eu resolvi conversar comigo mesma, saber como andam as coisas dentro de mim, me questionar, me responder, me aconselhar, me apoiar, ser minha melhor amiga. Portanto, eu me dediquei às seguintes reflexões: (Antes que você leia, caro leitor, normalize falar sozinho, não é loucura, é inteligência.
Quem bem souber sempre conversa consigo uma vez ou outra.)
— Eu andei pensando e, ultimamente tememos o Covid, a vacina, não voltar a nossa rotina normal, mas o medo é um sentimento antigo. Ele nos persegue desde sempre, vivemos com medo. Temos medo de tentar, de fracassar, de acreditar, de escuro, de mudar, de fugir, de ficar, de lutar, de perder, de falar, de agir, de voltar, de sair, de tropeçar, de se perder, de ser triste, de ser feliz, de amar, medo do próprio sentimento.
— Sim, mas, pior do que viver com medo, é viver por medo. É necessário quebrar muito a cara, levar chute na bunda e ser enganado, para aprender a viver.
— Diz-me uma coisa, se nós trabalharmos o medo, ele vai embora?
— O medo nos transforma em quem somos hoje. Ele não vai embora, nunca. Pode adormecer ou tirar umas férias, mas ele sempre vai estar lá. Afinal, ele faz parte da nossa alma.
— Entendi, pelo menos eu posso escolher entre enfrentá-los ou ignorá-los, certo? — Errado. Enfrentá-los não é uma opção, simplesmente acontece. O momento vem e nós escolhemos como agir.
— Como eu devo agir? Eu sempre caio em desespero quando estou com medo, meus olhos enchem de lágrimas e eu não sei o que fazer, perco o controle de tudo.
— Quando algum problema te der medo, ao invés de responder com desespero, responda com a solução, e caso não haja solução, responda com tranquilidade e o resto acontece. E se nada acontecer para solucionar o problema, permaneça firme e forte. Saiba que você tentou e foi corajoso a ponto de se manter intacto. Pior do que morrer tentando, é morrer sem nunca ter tentado.
— Poxa! Olhando por esse lado, faz sentido, é melhor morrer arrependido, do que morrer sem ao menos saber se daria certo ou não. Mas, é tão difícil me manter intacto quando penso que algo vai dar errado.
— O objetivo do medo é te enfraquecer, por isso, mostre-lhe a força que está guardada aí dentro. Se alimentamos mais a nossa coragem do que os nossos medos, passamos a derrubar muros e a construir pontes. Não permita que o medo vença você, ele destrói sonhos, esperanças e te impede de ver a vida com outros olhos. A vida passa a ser proveitosa quando não se tem medo dela.
— Você tem razão, eu sei que sou corajosa, só preciso falar isso mais vezes para entrar na minha cabeça. Mas se eu estiver determinada a fazer algo e o medo vier?
— Quer um conselho de amiga? Vai. Caso ele venha, vai com medo mesmo. Só não esquece que a vida é muito curta. Sinta todos os sentimentos, pois cada um deles te deixa uma lição. Sinta principalmente o amor. Uma vida sem amor é uma vida vazia. E eu estou falando de todas as formas de amor. Amor de mãe, amor de filha, de avó, de namorados, de amigos, de animal de estimação etc.
— Vou aproveitar mais, pode deixar, vou fazer cada momento ser único e especial.
— Permita-se errar, ser falha, aprender, erguer a cabeça e seguir. A vida é um espetáculo, nem sempre iremos receber aplausos e gritos eufóricos, às vezes serão vaias e vários tomates. Independente dos aplausos e das vaias, o “show” tem que continuar.
— Agora, vou contar uma teoria que me fez pensar diferente a respeito do medo. Eu ouvi dizer que em seu primeiro voo, os pássaros têm medo de voar, mas esse medo não impede que eles realizem o voo, porque se eles pararem e se repreenderem, a vida passa e eles não realizam nada, perdem a oportunidade de voar, perdem a sensação mágica da brisa em suas penas e a sensação de liberdade. Apenas assistem a sua vida passar como um sopro. Seja como um pássaro, voe mesmo com medo, e não espere para fazer isso quando sua vida tiver passado como um sopro.
— A partir de agora, serei como um pássaro, vou voar sem me importar. Se eu cair vou erguer a cabeça e me levantar.
— Você sempre foi um pássaro, minha menina, apenas se deu conta agora. É difícil mesmo superar o medo. Vá com calma. Devagar se chega longe. E no final tudo vale a pena. Insista no que você acredita, confie na sua fé, corra atrás dos seus sonhos e de tudo que te faz bem, leve e feliz, sem medo de errar ou de não alcançar, só vai.
— Obrigada por conversar comigo, me ajudou demais, de fato, você é minha melhor amiga.
— Não há de que. Quando precisar eu estarei aqui. Com todo esse diálogo que eu tive comigo mesma, interpretei que as pessoas do lugar onde eu vivo, incluindo a mim, são repletas de coragem e essa coragem não anula o medo, ela apenas é priorizada nas nossas vidas e no nosso cotidiano. Porque viver com medo é normal, mas viver por medo é perda de tempo. Vamos sorrir mais, amar mais e aproveitar o hoje, o agora.
Deixa o amanhã, para amanhã. Pensa assim, na manhã seguinte um novo dia vai raiar, o sol vai nascer e brilhar como faz muito bem. Mas se por acaso o amanhã for de chuvas e trovoadas, não se acanhe, a paz sempre virá após a tempestade. Minha mãe, como se diz aqui no nordeste, é uma mulher arretada, comeu muita garapa de açúcar na vida, nasceu e foi criada na roça, trabalhou duro, cuidando de casas de famílias, fazia absolutamente de tudo apenas por um prato de comida. Sua maior alegria quando criança era poder brincar com seus irmãos e irmãs.
Ou melhor dizendo arengar, porque criança de interior gosta mesmo é de uma arenga. Eles amavam roubar goiabas do pé do vizinho e sair correndo. Bananas para eles era motivo de festa. A alegria deles era constituída com o pouco que para eles era muito. Isso me faz pensar: Meu Deus, minha mãe é um exemplo de força e coragem! Se algum dia me perguntarem em quem eu me espelho?
Direi: em minha mãe. Se eu tivesse a metade de sua força, seria mais que uma mulher maravilha. O medo a deixa insegura, mas não permite que ela desista, pois, ela sempre terá pelo que lutar. Nós sempre teremos pelo que lutar, seja por alguém, por algo ou por nós mesmos.
A conclusão disso tudo é que, não só o povo de Parnamirim, mas o povo nordestino traz a força, a alegria e a bravura nas veias. Coragem me define. Orgulho define a palavra nordeste, o lugar onde eu vivo.
Aluna: Maria Clara do Vale Barbosa da Silva, 9ºAno
A Professora Orientadora: Emília Neves Ortiz Araújo Escola Estadual Maria Cristina
(Texto selecionado pela comissão julgadora municipal para representar Parnamirim na categoria Crônica na Olimpíada de Língua Portuguesa – 2021)