Mais uma picada da agulha nos dedos… dessa vez fiquei**** porque uma gotinha de sangue manchou o bordado.  E manchas de sangue são para sempre. Mas, dava para fazer um pontinho ali em cima. Pronto. Era isso. E o que era para ser um ponto virou uma flor com tantos nós franceses que não davam mais para contar.  Minha mãe ao meu lado olhava silenciosa o desenho que se formava. De vez em quando nos olhávamos e ela apertava os olhos em um sorriso Largo. Mas havia algo que repuxava uma covinha do lado esquerdo do rosto – como uma linha que ‘engasga’ no tecido…

Estava no arremate final desse jogo de agulhas e linhas, quando ela tocou no meu ombro e disse com ares de seriedade: deixe eu ver o avesso. Puxei o bastidor para perto do peito e falei – de jeito nenhum… Deixe, mulher!  Tudo o que me importa é este lado. E ponto. Não. Minha filha, avesso é quem diz da bordadeira. Do trabalho bem feito. A beleza está sempre do outro lado. E começou a recitar um texto pronto: “Lado avesso tem na sua proposta aprimorar continuamente a criação para quem valoriza bom gosto, atitude e estilo.

Ficamos nesse caseado de pontos que não dão nó quando ela pousou as mãos sob o bastidor e disse – minha filha, detesto bordar. Nunca vou mais bordar na minha vida…. sei fazer todos os pontos… Corrente, atrás, pirulito, matiz, cheio, ziguezague, haste, pequinês… Todos no ponto dos ajustes. Uma perfeição. No colégio era tida como uma das melhores bordadeiras. Bem, pelo menos pelas minhas amigas.

Mas a irmã Clodagh olhava o avesso e mandava desmanchar. Como assim… todo o trabalho? Sim… ponto por ponto. Era ela também que lia o evangelho antes das aulas. E lia sempre na mesma página.: “Bem-aventurado aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são descobertos.”  Virei o bastidor ao avesso em direção ao céu e chamei pela irmã Clodagh. Veja, irmã, veja que perfeição esse avesso…  Caímos as duas as gargalhadas.

O que importa é o que a gente faz com “a maldade de gente boa”, né, minha filha!

 

Ana Catarina Silva Fernandes