Subo os lances das escadas prestando atenção ao silêncio que paira no Prédio da Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ainda é tempo de distanciamento social por ali. O silêncio é amigo dos contemplativos. O guardião de todo aquele acervo artístico interrompe, por um minuto, a minha escalada em direção à sala de espera do gabinete do reitor. Temo que ele me proíba de continuar. Eu digo que preciso ver os murais de Marlene Galvão. Meu passaporte é liberado e sigo lentamente até uma porta de vidro entreaberta. Duas mulheres conversam entre si e olham para mim. Eu peço quase como uma súplica para entrar. “Entre.” Me identifico mais uma vez e digo com os braços abertos: vim apreciar “estes gigantes.” Elas colaboram comigo de que são uma beleza. Tenho que decidir por onde começar. E esta não foi uma escolha difícil. Os murais foram pensados para se espelharem e refletirem a si mesmos na grandiosa luz que se desprendem deles. São um “equilíbrio de opostos desiguais, mas equivalentes.”
Chego um pouco mais perto do mural a minha esquerda. E lá está ele; o soberano, o absoluto sol de sol a sol – de múltiplos amarelos que cortam as linhas curvas, sinuosas de preto retinto e de precisão dos desenhos de Marlene. Ele se abre em movimentos de catavento, fazendo a luz girar em todas as direções, fazendo empurrar a vela da jangada. Olho para as bordas – elas apresentam uma combinação variada e agradável de efeito visual e simétrico. Em tons de laranjas, azuis e verdes. Um caleidoscópio que adorna e propõe infinitas possibilidades de jogos de imagens além dos limites da cor, composição, clima e luz. Todo esse plano de imagens está para o que Cézanne descreveu sobre a “única meta” da arte: “transmitir, seja qual for nosso poder ou temperamento na presença da natureza, a semelhança do que vemos, esquecendo tudo que apareceu antes de nós.”
O vento agita as folhas e deixa à mostra a fruta de carne tropical, folhas que se desdobraram em outras; pelo recorte de encaixe de quebra-cabeça que o arranjo do desenho sugere. Toda essa composição é clara e solar. Oceano de comunicação que exigem leituras e releituras através da natureza estética que o olho pode captar. Mas tudo está ali, à flor da página mural, à flor de todos os traços e cores. Viro à direita e me perco entre uma primavera de flores vivas; de natureza morta e eterna. De duas flores grávidas de orquídeas, amarílis, azaléia, begônia, bonina, brinco de princesa, calêndula, camélia, celósia, clívia, cravina, dália, dipladênia, gardênia, gerânio, gérbera, girassol, gloxínia, hibisco e hortênsia… na textura da composição do imaginário “poético” de Marlene Galvão.
*Ana Catarina Silva Fernandes, professora e escritora de Parnamirim