Em viagem aérea, olhava pela janela e tentava em vão separar os limites entre o que seria o céu e onde começava o mar. “A terra é Azul.” Uma coisa só, vista a uma altura dez mil metros, e passei a compreender melhor a imagem dos versos de Fernando Pessoa quando recorta na exatidão de uma metáfora: “Deus ao mar o perigo e o abismo deu – mas nele é que espelhou os céus.” O mural, no edifício SALMAR – de Marlene Galvão, em dimensões de um aquário gigantesco, reflete as luzes pinceladas em púrpuras,verdes, azuis, amarelos… por linhas que mostram e escondem formas marinhas de todas as espécies inimagináveis: num recorte de metonímias de barbatanas, caldas, arestas de estrelas, coroas de tentáculos. E nestas linhas sinuosas de volveres há a fina tecitura de equilíbrio, de pureza e serenidades que se inaugura o estilo permanente e perene da artista.
As formas convergem para a tranquilidade de uma imagem que lembra um peixe de múltiplas faces, criado à semelhança das ideias e do traço da geometria plana e flutuante de Marlene. Ele baila na imensidão das luzes cintilantes, cortadas por feixes de luzes que se desprendem em tantas outras luzes, refletindo e refratando a realidade desenhada sob blocos de azulejos, que são em si pequenos outros aquários, que se movimentam junto ao aquário maior; oceano de criações, visões aquosas da fauna e da flora marinha. As barbatanas, também velas das jangadas que cortam os nossos mares do nordeste – tornam essa composição flutuante e nos lembram mais uma vez dos versos do poeta: “navegar é preciso.”
Sigo adiante na correnteza dos sonhos de Marlene Galvão e me vejo em mares de primaveras, pelo colorido em tons de rosa que se desprendem dos tentáculos das medusas; celebro os verdes das algas e suas cabeleiras que se vão ao sabor das correntezas; sigo junto com as arraias, presa as suas caudas delgadasem seus nados de ondulações. Deslizo sobre a superfície lisa e eterna desse cardume de cores em linhas horizontais, curvas, verticais, mistas, retas, diagonais, aspirais, sinuosas, inclinadas, em pontilhado, em traços e pontos… Olho mais uma vez os quatro cantos, e em todos eles o mar colore o horizonte de algas, recifes, corais. Viva a canção oceânica neste mural inaugural de Marlene Galvão e do poder simbólico da sua data de criação: 69 – “Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade.”
Por Ana Catarina Silva Fernandes